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Foto do escritorGEPEHTO UFPB

Para além do flagelo: um breve resumo sobre os saques como resistência social (1990-1994)


Ricardo Vicente Ferreira Filho

Estudante de História da UFPB, integrante do GEPEHTO.



O período entre os anos de 1990 e 1994, de fato, corresponde a uma série de acontecimentos que configuram nossa história recente. Tem-se o primeiro presidente civil eleito de forma direta após a Ditadura Civil-Militar (1964-1985) e, apesar de representar um período de entusiasmo, em 1993 o Brasil chegou a atingir um índice inflacionário de cerca de 2.477% ao ano[1]. Com isso era evidente a forte tensão social, marcada pelo desemprego, os altos preços dos alimentos, seca, confisco de poupança, protestos, impeachment, etc.


Um acontecimento recorrente desse período eram os saques como forma de reivindicação social, especialmente no Nordeste brasileiro. Segundo o apontamento feito pelo projeto de pesquisa “Mapeando Saques e Motins no Nordeste brasileiro”, houve mais de 200 saques entre os anos de 1979 e 1994. Logo, um fator a ser observado do ponto de vista histórico é como essas pessoas se organizavam, suas motivações, como agiam e quais respostas recebiam diante de tais atos.


Pesquisando em acervos digitais e físicos, encontramos inúmeras incidências dessas ações nos jornais da época, também se faz necessário observar as narrativas das notícias. A posição do nordestino é quase sempre apresentada na figura do “flagelado”, como alguém que sobrevive a pedir um suplício e, movido pela fome, saqueia, pois não lhe restam alternativas. Porém, a partir da leitura do historiador Edward Palmer Thompson, percebe-se uma economia moral dessa população dita flagelada, que em contradição a essa narrativa dos jornais, mostra-se ativa, organizada e consciente de seus anseios.


Apesar das notícias trazerem essa narrativa do nordestino passivo das consequências da natureza, os saques nem sempre estão voltados para a necessidade de alimento, mas para os meios que a natureza oferece para suprir suas carências, logo, em muitos casos o furto de sacas de sementes de milho e feijão torna-se recorrente. Tendo em vista que mesmo com a seca os agricultores (na sua maioria, pois outras categorias participavam dessas movimentações) saqueavam sementes, percebe-se que o que eles procuravam era trabalho, logo o saque não é motivado somente pela ausência de alimento, e sim pela falta de emprego que retira o salário para subsistência, o que consequentemente levava à fome.


Figura 1 - Notícia

Fonte: Acervo Digital – Folha de S. Paulo [2]


Outros aspectos que marcaram essas tensões foram as negociações políticas no âmbito nacional. Em alguns momentos o envio de verba para compra de cestas básicas era visto como placebo, pois quando acabava o alimento, os saques aconteciam novamente. Nesse sentido, o repasse de dinheiro para os Estados dificilmente configurava uma solução efetiva para os problemas da população. Em 1990, o então presidente Fernando Collor de Melo evitava liberar recursos para os governadores que não o apoiassem. Essa decisão levou a atrasos e consequentemente à revolta dos ditos flagelados, que apontavam os limites dessa barganha feita pelas elites.


Figura 2 – Notícia

Fonte: Acervo Digital - Folha de S. Paulo [3]


Há inúmeros fatores a serem observados diante desse cenário de crise do capitalismo brasileiro. Perpassa da hiperinflação ao roubo da água por parte de fazendeiros, da corrupção do Estado burguês à organização moral das pessoas que sofriam dessas consequências, além das negociações entre população e políticos. Nos protestos, organizadores que preferiam o anonimato, a repressão policial e a permanência da seca, tudo isso corrobora para necessidade de olhar para essa parcela da população brasileira (que não é pequena, mas é invisibilizada) e construir uma história da trajetória de luta, resistência e, sobretudo, existência.



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Notas:


[2] “Cerca de 920 agricultores saqueiam depósitos no CE”. In: Folha de S. Paulo, 21 de março de 1990. nº 22.345, p. 3.

[3] “Collor favorece aliados na distribuição de verbas”. In: Folha de S. Paulo, 12 de agosto de 1990. nº 22.633, p. 10.

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